quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Escobar no reino de um estagiário


E


ra uma tarde. Treze de junho de dois mil e treze, quinta-feira. Escobar se prepara e sai para estagiar, desce pela Rua JPX. Já são quatorze horas e a aula de geografia na 802 começa daqui a dez minutos. É preciso andar bem rápido! Sorte de Escobar que entre ele e a escola tem apenas uma ponte para atravessar e em cinco minutos conseguirá cruzar o portão de entrada do colégio.
Ufa, que correria! Escobar chega à escola, saúda Luz, a senhora responsável pela portaria e já se dirige à sala de número cinco, a sala da turma 802. Poucos alunos estavam no recinto, pois o professor antecedente à professora de geografia havia liberado a turma alguns minutos antes do sinal, mas era perceptível uma grande quantidade de mochilas sobre as mesas (durante a aula, pode-se constatar a presença de vinte e oito alunos). Escobar cumprimenta os alunos, pede licença e procura, logo, um lugar no fundo da sala em posição estratégica para que pudesse observar todos ao mesmo tempo. Era o sexto dia de Escobar no campo de estágio e a primeira vez naquela turma. Para os alunos tudo parecia novidade, alguns perguntavam:
_ Você é aluno novo?
_ Vai estudar com a gente?
_ O que está fazendo aqui? Veio nos vigiar?
_ Veio substituir a professora?
Era necessário ter paciência e responder cada questionamento, explicando a cada um que ele era apenas um estagiário. Para alguns era difícil compreender a função de um estagiário, então, por alguns minutos foi necessário explicar com detalhes a sua função naquele lugar. Uns compreenderam, outros se espantaram repudiando a pessoa do professor enquanto profissional: _ “Professor! Isso não dá dinheiro”.
Talvez esse seja o maior interrogatório em menor tempo, parecia um Tribunal Romano, mas todo esse turbilhão logo foi encerrado, a professora chegou...
Catarina. Professora Catarina, esse era o seu nome (derivado do grego e com um belo significado: pura. Quanta pureza!). Saudou a turma com boa tarde, deixou a bolsa sobre a mesa e retornou à sala dos professores. Demonstrou ter esquecido alguma coisa, e realmente esqueceu. Voltou à sala de aula com um Mapa Mundi na mão. A turma parecia uma colmeia zangada, o barulho era espantoso. Escobar permanecia sentado, apenas observando e respondendo aquilo que lhe perguntavam. Catarina pede silêncio, o ruído diminui.
Junho de dois mil e treze era um momento especial para o esporte brasileiro, ou melhor, para o futebol, naquela semana se daria a abertura da Copa das Confederações. Este foi o motivo que fez Catarina retorna à sala dos professores e trazer consigo um mapa. Durante a semana ela assistiu pela TV uma reportagem sobre as delegações participantes da Copa das Confederações e muitos telespectadores estavam confundindo Taiti, Haiti e Havaí, ou diziam desconhecer tais territórios.  Catarina então justificou com os alunos que esse não seria o tema da aula, mas que na condição de professora de geografia era necessário esclarecer estas dúvidas. E assim fez.
Com toda essa cerimônia já se passavam uns vinte e cinco minutos da aula. Então Catarina pede para que abram os livros na unidade oito. Nesse instante a aula é interrompida... João, aluno daquela turma resolve chegar para aula naquele momento, até aí tudo bem, “melhor chegar atrasado que não vir”, argumentou um colega. João pede licença. A professora concede. Não satisfeito somente em chegar atrasado, entra em sala e já começa a perturbar a atenção dos colegas, chama, puxa, fala, pega o celular, interrompe Catarina. Por algumas vezes Catarina pediu silêncio, mas de nada adiantou. “Paciência tem limite”, brada a professora com os olhos arregalados e com a aparência de um ser que encontra uma assombração. Escobar fica constrangido, mas procura não demonstrar.
_ Fora! Saia da minha aula. Chega atrasado e não dá sossego, da próxima vez não venha, gritava Catarina.
Abre-se, nesse momento, um parêntese na imaginação de Escobar: estaria a professora estressada e sua atitude foi influenciada por tal estresse ou não? Ou quem sabe, realmente, o João estava atrapalhando o desenvolvimento da aula? Talvez um pouco mais de diálogo resolvesse a situação. A confusão mental, por alguns segundos, pairou sobre a cabeça do estagiário Escobar.

Catarina pede a Bia (aluna da classe) que chame Belinha, para quem não conhece, é a inspetora de alunos. Belinha veio e levou consigo o João (...). Após esse contratempo a aula seguiu normalmente, Catarina concluiu a explicação do conteúdo e aplicou uma atividade. O sinal bateu, já se passavam das quinze horas e quarenta minutos. O tempo acabou. Catarina deixa o seu último recado: “na próxima aula teremos revisão para a prova”. Os alunos saem. Nesse momento, fica na sala somente Catarina e Escobar. O estagiário solicita que ela assine a ficha de registro do estágio. Em seguida agradece, deseja-lhe uma boa tarde e retira-se da sala.

Um comentário:

  1. Como estagiária de Geografia, são perceptíveis os desafios enfrentados pelos educandos em sala. A realidade de indisciplina vivenciada por eles tem crescido cada vez mais, o que faz com que o professor muitas vezes pense até em abandonar sua profissão.

    Como se o processo de ensino-aprendizagem não fosse complexo o suficiente, comportamentos de desrespeito e agressivos, fazem com que o trabalho de ensinar seja muito difícil. Se o mesmo não entender que para ser professor hoje é necessário abrir mão de si mesmo, ele não suportará a pressão de diversas situações do dia a dia.

    Vejo que essa profissão atualmente deve ser comparada a um casamento, da mesma forma que para um casamento dar certo ambos precisa deixar suas próprias vontades, para respeitar, amar e ajudar um ao outro, nessa profissão também é assim, o professor tem que assumir uma posição de amor e dedicação para conquistar seus alunos. Não foi percebido esse tipo de postura na professora acima, talvez se ela tivesse se aproximado dele e perguntado se algo estava acontecendo, tudo pudesse ser diferente.

    No texto de Vasconcellos, Os desafios da indisciplina em sala de aula e na escola, ele afirma que "A partir do exposto até aqui, fica claro que um dos maiores desafios é o resgate do professor como sujeito de transformação: acreditar que pode, que tem um papel a desempenhar muito importante, embora limitado. Acreditar na possibilidade de mudança do outro, de si e da realidade. (1996, p.237)

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